Olhando pela janela, os seus olhos derramavam mágoa para a paisagem brilhante do pôr do sol, os seus pensamentos não estavam dentro de si. As garras do desespero faziam por se fazer notar, rasgando o seu interior, juntamente com as feridas causadas por sentimentos despedaçados. Para piorar, aquilo tinha-lhe acontecido... O final está a chegar. Sinto-o. E não me faz diferença... Duas lágrimas de sangue pingaram de seus olhos para o seu vestido aveludado, manchando os negros bordos rendilhados. Mas antes, um último passeio. O roçagar do seu vestido quebrou o silêncio dos domínios da Dama da Noite, avisando da predadora que vagueava na noite.
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A noite corria depressa e chegaria em menos de uma hora, obrigando Alexandre a parar a sua marcha. Andara o dia inteiro. O entusiasmo de quando tinha iniciado a viagem estava agora algo abatido, mas por teimosia, impedia-se de voltar atrás. Apenas à quatro dias tinha saído de casa. Era demasiado cedo. Rapidamente montou a tenda, porém, desta feita, não acendeu nenhuma fogueira. A brisa suave da noite assemelhava-se à de um deserto escaldante e árido, afastando todo o arrepio de frio que se quisesse instalar. Entretendo-se a cantarolar e a dançar consigo próprio, a Lua subiu no céu e quando deu por si, já ele próprio era uma sombra dançante na noite. Riu-se sonoramente para si.
- Heh. Se alguém viajasse na estrada, ainda pensaria que os mortos se tinham erguido das suas tumbas e dançavam a Dança Macabra!
Sentando-se, retirou o seu parco jantar de pão, presunto e maçã, trauteando enquanto comia. A sua atenção prendia-se noutros mundos que não aquele em que vivia.
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Ruídos e sombras mexendo-se em contraste com a irrequieta imobilidade da noite. Até o vento se reduzia a um ínfimo sopro de uma fada, apenas sendo ouvido por quem realmente tentasse. Apesar da ausência de luz, os olhos da predadora viam perfeitamente as formas. Como se de um espelho obscuro se tratasse, as figuras apareciam-lhe algo distorcidas, mas talvez fosse devido à humidade nos seus olhos, de ter chorado durante todo o caminho. Também as cores estavam ligeiramente rubras, mas o hábito havia feito com que ela ignorasse esse promenor.
Aproximando-se silenciosamente, observou de perto o vulto masculino que dançava incessantemente àquelas horas da noite. Um outro ébrio. Nem na minha última noite apanho uma presa decente... Não sou deveras aceite neste mundo... Mas tudo irá mudar quando o Sol aparecer hoje no horizonte.
Respirando fundo como sempre fazia antes da caçada, fechou os olhos e sentiu as vibrações à sua volta. Algumas delas pareceram-lhe estranhas, mas dispensou-as com um aceno de cabeça. Não voltará a acontecer. E iniciou a marcha de encontro à sua presa.